Por Ronaldo Saez
Cásper Edição 37

Lá vem, da Silva!

“Adhemar é o maior brasileiro olímpico de todos os tempos”, resume o renomado comentarista Álvaro José, da TV Bandeirantes. De malas prontas para Paris 2024, o jornalista esportivo já cobriu 11 Olímpiadas e não tem receio em fazer uma afirmação tão categórica. Primeiro homem a superar a barreira dos 16 metros, Adhemar Ferreira da Silva […]

“Adhemar é o maior brasileiro olímpico de todos os tempos”, resume o renomado comentarista Álvaro José, da TV Bandeirantes. De malas prontas para Paris 2024, o jornalista esportivo já cobriu 11 Olímpiadas e não tem receio em fazer uma afirmação tão categórica. Primeiro homem a superar a barreira dos 16 metros, Adhemar Ferreira da Silva bateu o recorde mundial do salto triplo cinco vezes. A revista Sports Illustrated considerou-o, em 1952, como o melhor atleta do planeta.

Naquele ano, Adhemar Ferreira, em sua segunda Olimpíada e já detentor do recorde mundial (16 metros), sequer era lembrado pelo chefe de delegação Lavrenti Beria, braço direito de Josef Stalin, então mandatário da extinta União Soviética. Álvaro José, em entrevista exclusiva para a revista CÁSPER, destaca que Beria bradava que os soviéticos ganhariam todas as provas de campo e arremesso do atletismo nos Jogos de Helsinque, enquanto as provas de pista ficariam com os norte-americanos.

Quatro dos cinco recordes mundiais foram quebrados por Adhemar no duelo contra o soviético Leonid Shcherbakov: 16,05, 16,09, 16,12 e, por fim, 16,22 metros, primeiro ouro olímpico do atletismo brasileiro. Essa é reconhecida como a maior prova do salto triplo da história. Naquele 23 de julho de 1952, um enorme barulho ecoou da arquibancada: “Da Silva, Da Silva, Da Silva”. O juiz da prova se dirigiu ao brasileiro, pedindo a ele que desse uma volta pelo estádio em forma de agradecimento ao público. “Ao receber a bandeira do Brasil, Adhemar deu a primeira volta olímpica da história”, relembra Álvaro José.

Meses antes, na preparação para os Jogos de 1952, Adhemar não teve dúvida em fazer o que sempre fazia: estudar. Ele decidiu conhecer antes a cidade, o país e até o idioma de onde iria competir. Aos 24 anos, o atleta procurou em mapas e livros de geografia informações sobre aquele território ao norte da Europa. “Terve, Terve”, soltou ao desembarcar na Finlândia (algo como “Salve, Salve”). Não parou aí. Emendou um “Unko tela quiuma?” (“Como está a temperatura?”). O brasileiro ainda dedilhou no violão a música popular finlandesa “Nime nareitoni Sino Ne Lana”. No dia seguinte, a manchete do jornal Uusi Suomi dizia: “Da Silva do Brasil chegou falando terve, terve, e cantando”.

“Toda vez que eu e meu irmão tínhamos dúvida em alguma palavra, meu pai pegava o dicionário, colocava um de nós na perna esquerda, outro na direita, e nos mostrava o significado. Era um homem culto que estudou a vida inteira”, lembra, com carinho, a cantora Adyel Silva, que também é jornalista formada pela Cásper Líbero, mesma instituição que seu pai frequentou e se formou.

Filho de um operário e uma lavadeira, Adhemar morava com a família no centro da Casa Verde, atual endereço de Adyel. Aos 8 anos, enquanto as crianças jogavam futebol, ele ficava em casa ajudando nos afazeres domésticos, como lavar, passar e cozinhar. Foi estudante da Escola Técnica de São Paulo, onde frequentava as oficinas de mecânica, latoaria, vimaria e belas artes. Virou escultor. Durante três anos trabalhou com forma, fundição e retoque, mas logo o terno com gravata virou seu uniforme.

Adhemar trabalhava em um escritório comercial, e entre outras funções distribuía panfletos no centro da capital paulista. Em um domingo de 1946, ele e um colega se depararam com Benedito Ribeiro, atleta do São Paulo Futebol Clube. Por achar a palavra “atleta” bonita, questionou: “O que você treina?”. Ribeiro respondeu atletismo e o convidou a fazer um teste. No clube, foi apresentado ao técnico alemão Dietrich Gerner, que não teve dúvidas e ordenou que Adhemar Ferreira trocasse de roupa e desse três voltas na pista. Ele aquiesceu e correu como se estivesse disputando as competições de 100, 200 e 1.000 metros. Ele estava no lugar certo, mas na prova errada.

No ano seguinte, Adhemar se interessou pelo salto triplo que observava com curiosidade. “Tome distância, corra, chegue até a tábua branca, bata com o pé esquerdo ou direito naquela tábua, alce o seu corpo, caía sobre a mesma perna, alce novamente, mude de perna e termine no tanque de areia”, aprendeu com um colega. Em 1948, na Olimpíada de Londres, a primeira a ser televisionada, já fazia parte da equipe brasileira de atletismo.

Poliglota, Adhemar fez Educação Física na Escola do Exército. Por seu corpo atlético, foi convidado, em 1956, a integrar a peça teatral Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, e três anos depois no filme franco-italiano Orfeu Negro, que levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Cursou ainda Direito e chegou a ser adido cultural na embaixada brasileira em Lagos, Nigéria, entre 1964 e 1967. Em 1990, formou-se em Relações Públicas pela Cásper Líbero. Chegou a trabalhar como cronista e colunista esportivo no jornal Última Hora.

“O campeão olímpico não existia na Cásper. Adhemar era simples, não comentava sobre esporte e estava focado em estudar Relações Públicas”, relembra o presidente da Fundação, Alípio Rodriguez, à época Secretário-Geral da Faculdade. Durante 48 anos, Adhemar foi o único atleta brasileiro a ser bicampeão olímpico. Ele foi homenageado com as duas estrelas douradas no escudo do São Paulo Futebol Clube (em referência aos recordes mundiais de Helsinque 1952 e dos Jogos Pan- Americanos de 1955, na Cidade do México), teve seu nome imortalizado no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, que fica na Praça dos Três Poderes, em Brasília, morreu em 2001, aos 73 anos. (Colaborou Eduardo Nunomura) 

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